Muitas vezes, ao observar a sociedade, nós notamos certos quadros e situações que parecem sempre ter existido e, muitas vezes, nos dão a noção de que não há nada que possa ser feito para solucionar os problemas gerados por elas — O conhecido e velho “Ah, isso aí sempre foi assim”.
Ao caminhar pelas ruas, sobretudo nas periferias das grandes e pequenas cidades, qualquer um com olhar um pouco mais atento pode notar que as pessoas que lotam o transporte público, executam os trabalhos menos remunerados e vivem em condições habitacionais e econômicas precárias são majoritariamente negros e seus descendentes.
Alguns dados sobre a questão:
Em novembro de 2021 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicou o estudo “Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2021".
O estudo traz dados reveladores sobre a condição econômica e social da população negra no Brasil, além de um panorama completo sobre a condição dessa fatia do povo brasileiro em relação ao mercado de trabalho.
Embora as desigualdades tenham se acentuado em razão da pandemia, os indicadores nunca passaram nem perto do ideal. Além de serem maioria entre os desempregados (46%), também recebem os menores salários. A diferença média de rendimentos entre brancos e pretos ou pardos chega a até 1.200,00 reais.
Os setores que mais empregam essa fatia da população são: construção civil, agropecuária, serviços domésticos, comércio e reparação.
Os dados do estudo também nos mostram que nos setores que envolvem maior capacitação técnica e nível de escolaridade, os negros são drasticamente sub representados, bem como nas cadeiras de diretoria de empresas, no judiciário, na TV, e na parcela da população que possui maiores rendimentos mensais.
Entre 10% com maior rendimento per capita, brancos representam 70,6%, os negros eram 27,7%
Entre os 10% mais pobres, o quadro se inverte: 75,2% são negros, e 23,7%, brancos
Em cargos gerenciais 68,6% das cadeiras são ocupadas por brancos.
(Dados IBGE - “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”)
Esses dados não seriam alarmantes se a população negra no Brasil não representasse a maioria (54%). À luz desse dado os índices apresentados acima ganham outro significado, uma vez que sendo pouco mais da metade da população, por lógica, essa fatia da sociedade deveria se equiparar em todos os quesitos, positivos e negativos.
Mas por que ficamos para trás?
É importante pensar que as chamadas "Questões Estruturais”, não são coisas que começaram ontem, na última semana, nem mesmo na década passada. As questões que fazem parte da estrutura básica de uma sociedade, tiveram início no mesmo momento em que a própria nação começou e, portanto, estão embrenhadas em todos os lugares.
O que é uma questão estrutural?
Questões estruturais são aquelas que, como o nome já diz, fazem parte das bases de uma sociedade e ajudaram a construí-la. Uma casa, por exemplo, pode ter paredes bonitas, um piso caro e vistoso, mas se suas vigas e fundações tiverem problemas, a construção toda é problemática, ainda que nós não vejamos claramente a raiz, que é a estrutura.
Como tudo começou?
Embora o Brasil tenha sido encontrado pelos portugueses em 1500, apenas a partir de 1530 que esforços mais consistentes de ocupação do território passaram a ser feitos. A necessidade de serviços braçais para o cultivo de plantações e extração de recursos levou à instituição da escravidão, primeiramente de indígenas e depois, entre os séculos XVI e XVII, de negros.
Por cerca de 300 anos, quase 5 milhões de negros foram trazidos da África, para trabalhos forçados, não somente em plantações, mas também no ambiente doméstico, no comércio e outras funções. Na maioria dos casos a expectativa de vida de um escravizado girava em torno dos 30 anos, devido às condições de vida exaustivas.
Os efeitos da escravidão
Por cerca de 3 séculos, uma população inteira foi submetida a uma rotina de trabalho extenuante, teve negados direitos como ter um sobrenome; manter a guarda de seus próprios filhos; se alimentar corretamente; estudar; professar livremente a própria religião; ocupar cargos públicos e até mesmo o domínio sobre o próprio corpo.
Essa rotina de cerceamento, exclusão e repressão cultural e social, exercida ao longo dos séculos, combinada a forma displicente, desastrosa e irresponsável com que a libertação da população negra foi feita, ajudam a explicar o cenário atual.
Depois da Lei Áurea:
Em 13 de maio de 1888 foi sancionada a chamada Lei Áurea. O texto dizia:
Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
A população negra foi liberta da escravização, sem nenhum tipo de plano concreto para um acolhimento como cidadãos. Via de regra, não possuíam casa, bens, e nem instrução formal mínima. Ou seja: milhões de pessoas foram soltas no mundo sem absolutamente nada - Nesse cenário, o que os esperava eram as ruas, o desemprego e os cortiços precários nas grandes cidades.
Já sem acesso ao ensino formal e ao emprego (uma vez que europeus foram trazidos para ocupar as vagas deixadas por eles após a libertação), os ex- escravizados tiveram também aspectos de sua cultura, como a capoeira e o samba, marginalizados pelo estado, as possibilidades de ascensão econômica e social eram praticamente inexistentes.
Além do caos gerado pela falta de planejamento na inserção dessa população na sociedade, políticas de “higiene racial”, e o uso de falsos argumentos científicos para rebaixar os descendentes de africanos e indígenas à condição de “humanos de segunda classe” eram conceitos abertamente defendidos no Brasil até meados da décadas de 1930.
Ao longo do século 20, muito pouco foi feito para gerar a integração plena dos cidadãos negros à sociedade brasileira. As prisões, durante esse período, se encheram cada vez mais, principalmente de homens jovens, integrantes dessa população. Em 2020, negros eram 66,7% dos presos, contra 32,3% brancos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Péssimas condições de moradia, alimentação e acesso a oportunidades restringem a população negra a uma espécie de ciclo que só poderá ser quebrado através da aplicação de políticas públicas efetivas e que corrijam as distorções geradas ao longo de séculos, aquelas mesmas nas quais ninguém pensou desde o já citado 13 de maio de 1888.
André Walker, Assistente de Relações Públicas.
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