É muita inocência acreditar que os jornalistas são imparciais, eu como jornalista admito: tentamos ser, mas é difícil. Uma certa escolha de palavras, um simples adjetivo ou a própria maneira de construir as narrativas denúncia na nossa parcialidade.
Então para você, que não é da área de comunicação, ouvir isso é quase como a desconstrução de um mito. No livro de Patrícia Campos Melo, A Máquina do Ódio, a jornalista da Folha de S. Paulo, que foi vítima de uma campanha difamatória, revelou que de fato sempre teve suas preferências políticas, mas nunca deixou isso interferir em sua vida profissional, tanto que sempre foi crítica ao governo e o jornal que trabalha realizou as denúncias sobre o caso do Sítio de Atibaia.
O jornalismo é e sempre será crítico. Ele pode ser considerado o quarto poder e o meu papel e de meus colegas é ser o elo entre o poder público e a população. Fiscalizamos, investigamos e fazemos denúncias, está em nosso sangue.
Mas para isso, é necessário que haja um princípio fundamental: a liberdade.
Dilemas e escolhas
Antes de prosseguir no assunto central, é preciso esclarecer algumas coisas. Fazer jornalismo não é simplesmente escrever uma notícia, não é apenas escrever palavras, contar histórias e trazer dados. Há teorias por trás de tudo e no mundo da comunicação uma delas a teoria do Gatekeeper, a qual eu aprendi na faculdade e até hoje eu entendo, estudo e confio nela.
Originalmente, ela foi criada para a psicologia em 1947, por Kurt Lewin, mas só foi aplicada ao jornalismo por David Manning White, em 1950. É defendido que há um constante fluxo de informações e quem escolhe o que é divulgado ou não são os jornalistas – incluindo editores, pauteiros e chefes de redação.
Dentro de uma redação, o editor quer saber de alguns critérios para aprovar a pauta, como: ineditismo, imprevisibilidade, relevância, impacto, proximidade e muitos outros. É necessário que haja uma certa liberdade de escolher o que é notícia ou não. Esse dilema é ético.
Por exemplo, não vemos notícias sobre suicídios, apesar de ser um tema que impacta diversas vidas, há um código velado que não podemos falar sobre, pois pode induzir a mais casos. O mesmo se aplica a massacres escolares, a ideia desses atos é espalhar uma ideologia, porém como noticiar isso? Como noticiar um crime sem falar suas motivações? Então sim, nós escolhemos o que queremos falar.
Liberdade de imprensa
A liberdade de escolher o que produzir, qual recorte vai fazer sobre tal assunto e sobre o que vai ser dito é um direito fundamental do jornalismo. Apesar de vivermos em um país democraticamente livre, o Brasil ocupa a 94ª posição no ranking de liberdade de imprensa, Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Apesar de ser uma posição baixa, até o ano passado, antes das eleições presidenciais, nosso país ocupava a 110º posição. Durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram relatados constantes represarias à imprensa, inclusive partindo do próprio presidente, que limitou a presença de alguns jornalistas em suas coletivas diárias.
O Brasil não tem um bom histórico de quando falamos em liberdade de imprensa. Durante a ditadura militar, vivíamos em um período em que dentro dos jornais haviam censores, homens que analisavam as notícias e censuravam o que não estava de acordo com o regime.
Hoje não temos mais os censores dentro das redações, mas esse papel de censurar foi transferido para massas partidárias da população que realiza ataques constantes à jornalistas que eles consideram inimigos de estado. A própria Patrícia Campos Melo, que foi supracitada nesse texto, foi alvo desses ataques.
Fake News e a falsa liberdade
Um dos trabalhos dos jornalistas é a checagem de fatos e com a popularização das redes sociais, a checagem de fatos nunca foi tão necessária. Grupos em aplicativos, como WhatsApp ou Telegram, foram vetores importantes para a divulgação de fake news.
Diferente das redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram, não dá para controlar o fluxo de informações em aplicativos mensageiros. Assim, campanhas difamatórias ou informações falsas contra jornalistas, políticos ou grupo de pessoas, se espalham como um vírus, o qual é impossível de se encontrar o paciente zero.
Apesar de ser jornalista, eu já caí em diversas fake news e ainda caio. Sou humano. Hoje, eu atuo majoritariamente com conteúdo voltado para o transporte rodoviário de cargas, então a maior parte dos impactados pelos conteúdos que produzo são motoristas, por isso trabalhar com a verdade é essencial.
Imagine que você está há oito dias na estrada e sua única fonte de informação é o que tu recebes pelo celular, nem tudo é verde, mas muitas coisas são. Então, para garantir a veracidade o jornalismo se reinventou, e o que era uma função dentro de redações, se tornou uma editoria: o fact-checking. Aos Fatos, Agência Lupa e o Fato ou Fake, são exemplos de veículos de checagem de informações.
Porém a retaliação sobre a divulgação de informações não verdadeiras, iniciou outra discussão, a de liberdade de expressão. Temos a liberdade de opinar e divulgar nossas ideias, esse artigo é um exemplo disso, mas, o ato de mentir, difamar e caluniar não se encaixa no espectro de liberdade de expressão.
É uma discussão ética, eu tenho voz para defender meus pensamentos, porém se meus pensamentos ferem os direitos básicos de outras pessoas, eu estou cometendo um crime ao falar isso.
Na minha concepção, a internet deu uma falsa sensação de liberdade de falar o que quiser, porém, como toda sociedade, existem regras. Nada te impede de cometer crimes, mas temos leis que vão te punir se realizar tal ato.
PL 2630/20
O Projeto de Lei 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e está gerando um rebuliço no mundo político. Há quem diga que ele é a solução dos problemas e outros que ele é tudo que há de pior. Em minha opinião, nem um, nem outro.
De forma resumida e bastante bruta, o texto cria um mecanismo de medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais. Ele responsabiliza as plataformas por permitir que conteúdos falsos se espalhem pela rede livremente.
Ele não vai resolver todos os problemas, muito menos vai causar todo o mal que está previsto. De fato, algo precisa ser feito, a PL coloca pontos importantes e válidos, como a proibição de criação de contas falsas – exceto as com caráter humorístico –, proíbe também a automação de perfis e obriga as redes sociais a remover os conteúdos nocivos.
Tudo isso é válido apenas para redes com mais de 2 milhões de usuários. Acredito que seja positivo, mas é necessário que haja cautela também.
A liberdade de escolha
Finalizando, trabalhando com informação, percebi que não existe preto no branco, o mundo é repleto de tons de cinza. O trabalho jornalístico teve que se reinventar desde as Actas Diurnas da antiga Roma e agora enfrentamos a era digital, onde o jornalismo está passando por momentos difíceis.
Hoje, a grande maioria dos jornalistas são assessores, a escassez de trabalho nos fizeram virar publicitários, marketeiros ou social mídia. Porém, a internet nos deu fôlego para ter a liberdade de escolher o que fazer, temos o conhecimento e habilidade de criar novos estilos e modelos de fazer jornalismo independente.
Então eu vos digo: viva a liberdade de imprensa!
Carlos Becerene, Assessor de Imprensa do Grupo Mostra de Ideias
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